tem gente que começa um e-mail com “oi, tudo bem?”. outros já chegam mandando o link de um clipe foda dizendo que querem um logo “meio nessa vibe”.
eu amo esse tipo de cliente. nesse caso, dois. irmãos de chicago montando um selo de música negra do mundo todo. eles queriam algo bem fresco, dançante, colorido, cheio de tipografia bagunçada. traduzindo, minha cara.
os dois eram super ligados em música brasileira. na primeira reunião já citaram gil, milton, caetano (e um leve vacilo confundindo gal com bethânia). a troca foi iradíssima, eu tava super animado. e trabalhar com música tem isso, né? chega primeiro na emoção, o layout vem depois.
o pedido era bem direto: um lettering com personalidade pra servir de logo, um símbolo maneiro pra usar nas capas e no banner do soundcloud, e a arte de uma mixtape com as primeiras apostas da parada.
fizemos duas rodadas de esboço, tudo indo bem. mas, por motivos que nunca entendi direito, o projeto caiu. me pagaram até onde fomos e sumiram.
fim.
no lugar do logo, ficou a pesquisa. e ela foi longe. referências, livros, imagens, sons. tudo isso veio antes mesmo de eu desenhar qualquer letra. aí essa semana me veio a ideia de compartilhar as referências que surgiram nesse processo todo, mesmo sem logo no final.
eles chegaram até mim porque tinham visto uma entrevista em que eu dizia ser obcecado pelo design da ed bangers records. principalmente o trabalho do so me, diretor de arte que tá por trás da identidade do selo, de projetos icônicos com o justice, daft punk e também do clipe de good life, do ***** **** com o t-pain. golpe baixíssimo. talvez os verdadeiros culpados de eu querer fazer lettering.
letras dançando na tela, sem regra, sem grid, só energia. eles queriam exatamente isso: algo irreverente, meio caótico, colorido, com várias tipografias convivendo juntas.
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nessa época eu tava estudando muito o trabalho de letras do ziraldo. o designer de letras que ele foi mesmo sem nunca ter se chamado assim. eu tava numa fase reparando muito em como ele criava letras com contrastes abusadíssimos, larguras exageradas, letras que flutuavam sem linha de base. como se dançassem no papel. visualmente muito musical. comprei alguns livros dele (o abz do ziraldo é um dos meus favoritos!) e até comecei a esboçar uma fonte inspirada nisso. mas perdi o arquivo. como diz a rita lee, foda-se eu.
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aí pronto. entrei num buraco. comecei a pesquisar livros que misturassem design gráfico, ilustração, tipografia e música. queria entender como diferentes culturas transformam som em forma. comprei alguns, mas dois em especial me ajudaram muito nos primeiros esboços (que nem chegaram a virar vetor — mas tudo bem).
eu sou muito fissurado em ilustradores que tem um olhar especial pra tipografia. e foi assim que eu resolvi também dar uma olhada no trampo do wilfred limonious. ele é tipo o pai da arte do dancehall ali nos anos oitenta, noventa. mais do que um ilustrador de capas, ele ajudou a criar uma identidade gráfica pro som que estava nascendo nas ruas da jamaica.
mais conhecido como cartunista do que designer gráfico, o limonious teve uma virada de carreira quando o dancehall começou a crescer, ali nos anos oitenta. foi chamado pra fazer uma capa, depois outra, e acabou criando mais de trezentas. capas doideiras, com paletas vibrantes, desenhos exagerados, letras feitas à mão, personagens engraçados. assim como o ziraldo tinha uma quedinha pela adlib, o limonious também criou seus próprios estilos e adorava redesenhar fontes existentes como a famosa dynamo. ele era muito requisitado também pois muitos desses trabalhos foram feitos em tempo recorde. em menos de um dia. doideira. parecia até que ele trabalhava em agência de publicidade no brasil, hehe.
sei disso tudo porque comprei o livro in fine style: the dancehall art of wilfred limonious que conta direitinho essa história toda. assim como eu, quem também é super inspirado pelo trabalho dele é o ferry gouw que faz a maioria dos visuais do major lazer (escrevendo isso agora lembrei até da série animada que eles tinham, era genial).
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e aí fui mais fundo: depois de descobrir o trampo do wilfred, peguei o serious things a go happen: three decades of jamaican dancehall signs com essa história paralela da música dancehall, contada por cartazes e placas pintadas à mão. são mais de cem posters originais, desde os anos oitenta até hoje. o livro é lindo, cheio de entrevistas com designers e artistas da época, e páginas inteiras com esses cartazes improvisados, cheios de cor, letterings e caligrafias estupidamente lindos e composição só no feeling.

essa história nem tem um final marcante. o logo nunca existiu. mas toda vez que volto nessa pesquisa, fico feliz de ter feito. de ter comprado os livros. de ter reunido essas três ou quatro referências num trabalho só. o projeto talvez tenha morrido — mas, juntos, os designs da ed bangers, ziraldo, limonious e os pintores de letreiros do dancehall me fizeram perceber o quanto meu processo se alimenta dessas intersecções. de como um logo que nunca foi pode, ainda assim, deixar um rastro.
✶ meus links ✶
✶ fiquei tão impactado assistindo pecadores que desde domingo é basicamente a única coisa em que penso. especialmente uma cena *spoiler* em que a música invoca os antepassados e os ritmos ancestrais numa espécie de confraternização milenar que TÁ QUE PARIU!!!!!!! como é bom quando o diretor não tem medo de ir fundo e mistura drama histórico, comédia, musical, vampiro e crítica social tudo junto. não ficava tão hypado desde lovecraft country. TEM QUE VER! no cinema e se possível em imax como já defende o próprio ryan coogler, que inclusive fez um vídeo impecável e didático que viralizou e levou uma galeeeeera a assistir o filme em 70mm. foda.
✶ tô 10 vezes mais animado com a notícia de que 10 coisas que odeio em você vai virar musical, porque a carly rae jepsen vai participar. 10/10.
✶ não sou da tropa do figma, sofro toda vez que preciso mexer mas o figjam virou tudo pra mim. agora só uso ele pra reunir referências, abandonei o resto. amo a facilidade de criar boards, o quanto é leve, o visual mais bonitinho que o miro e outros que testei. e ainda tem a fonte linda do james edmondson.
✶ uma vez meu amigo brunno balco me perguntou por que eu tenho escrito tudo em caixa baixa. e a real é que eu meio que sempre escrevi assim, pelo menos nos últimos anos, desde que desativei o caps automático do celular. aí descobri que isso é uma COISA da geração gen-z. mas o que respondi pra ele é que, no fundinho é só preguiça mesmo e que usar caixa alta às vezes me faz até desistir de escrever. nada mais gen-z do que isso???
Sua news é uma delícia, cara!
Os letterings do Ziraldo são mesmo muito *musicais*! Ótima palavra. O traço dele pras ilustras também tem uma energia que ainda não adquiri o vocabulário pra descrever, mas sigo tentando imitar.
Tenho adorado acompanhar a sua news! Me inspira e me mostra muito quem é você!