ultimamente, toda ideia que me aparece vem com uma vontade embutida: existir fora do meu desktop. que tenham um destino físico. impresso. não sei se é só bode de tela. se é a vontade de pegar nas coisas de novo. de parecer menos um desperdício de tempo.
minha relação com objetos reais é muito diferente da que tenho com o que vejo na internet. eu curto, compartilho. mas quando algo é físico, o momento não é tão descartável. não esqueço tão fácil. posso tocar, pegar, guardar. quando procuro uma fonte num livro pra usar num projeto, tô dedicando meu tempo só pra aquilo. talvez eu só esteja com vontade de participar de um mundo menos multifuncional.
minha impressão é que parece que tudo que existe só no digital pode sumir a qualquer momento, morrer em questão de horas. a real é que ninguém volta o feed duas semanas. cê volta?
durante muito tempo eu pensei mais do que imprimi. achava que transformar algo em físico era só pra ideias grandes, importantes demais. sempre vi como algo reservado pro momento em que uma ideia estivesse pronta, madura e importante o suficiente para valer o investimento. ou por um medo de algo que eu não pudesse mais editar depois de pronto.

esse ano tenho feito esse movimento. não porque perdi o medo de não poder editar, mas porque entendi que quanto mais crio coisas com destino mais palpável, mais vejo que o valor não tá na ideia no papel. tá no compromisso com a existência.
mas é louco pensar que hoje, nem tudo que está impresso é importante ou verdadeiro.
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semana passada, ouvi de duas pessoas que trabalham com criatividade que tinham caído numa armadilha de inteligência artificial. coisas que nunca aconteceriam tão fácil há alguns anos: vídeos de gente dizendo o que nunca disse, músicas inéditas com feats improváveis, fotos “históricas” de um passado inventado.
sei lá. é bem desanimador pensar que a sensação de realidade passou a valer mais que a própria realidade. por séculos, a ideia era capturar o mundo. pintura, foto, filme. sempre com a promessa de provar e mostrar algo. isso aconteceu, eu vi. a imagem era verdade, era documento. o “olha aqui, tá na imagem” não faz mais sentido. tudo agora vem com dúvida, com asterisco, com desconfiança.
mas pra gente que trabalha com criatividade, esse momento embaralha a noção de autoria, distorce o processo e, principalmente, confunde a intenção. num mundo onde tudo pode ser simulado, quem define o que é genuíno? o que ainda nasce de uma ideia e o que só imita aparência? ou melhor. tudo isso importa?
pra mim, sim. investir tempo estudando como fazer, fazendo, escrevendo, editando, criando pra um formato impresso ou pensando num objeto que a minha ideia possa fazer sentido me faz pensar no quanto o formato influencia diretamente o que a gente cria. o processo, resultado e o alcance. ideias rápidas, como um tiktok de menos de um minuto falando sobre um assunto complexo, têm seu valor. ideias lentas como pensar e lançar uma publicação com mais tempo de leitura que um minuto transformam no longo prazo. as duas são importantes. mas é preciso entender que existe uma diferença.
✶ meus links ✶
✶ viralizou por aí um trecho de uma entrevista do tyler, the ceator e eu queria aproveitar pra deixar aqui o link da conversa completa pra quem se interessar. primeiro porque eu gosto muito quando o tyler é chamado pra falar sobre criatividade pois amo que o jeito que ele pensa, cria e se comunica através de tudo que ele faz: sejam as letras, a produção, o jeito de se vestir. além da frase ótima que viralizou “criar como uma criança e editar como um cientista”, tem bem mais coisa legal:
pra quem ainda precisa de um incentivo, ele também fala sobre ter várias frentes criativas e como isso pode sim confundir o público mas que a gente não devia se preocupar tanto com isso. nem todo mundo precisa abraçar tudo o que você faz. ele comenta, por exemplo, que quem curte sua música talvez nunca compre suas roupas e tá tudo bem. esse ponto me pega num lugar especial, porque alivia a pressão de agradar sempre, de fazer tudo “coerente” com o que já foi conquistado. talvez o mais interessante seja justamente se arriscar, mesmo que nem todo mundo acompanhe. a gente muda, faz coisas novas que fazem naquele momento e a vida segue.
✶ segundo porque quem entrevista o tyler é a omondi <3 minha podcaster favorita (e a mais gata!) no the cutting room floor onde ela entrevista gente de todos os cantos do cenário criativo, principalmente da moda, e consegue extrair relatos muito bons de quem realmente faz o trabalho acontecer. ela questiona as pessoas de um jeito que eu AMO. indico demais as entrevistas com o law roach e com o telfar. vale mto assinar o patreon!!!
✶ gosto muito de questionar eventos de design e o felipe rocha fez isso muito bem no artigo dele pro it’s nice that, falando sobre não se encaixar no estereótipo de quem se apresenta nesses big eventos e a exaustão de ter que se provar o tempo todo. o que mais gostei foi quando ele aponta que o design diz incluir, mas ainda espera que todo mundo demonstre confiança do mesmo jeito. tem que falar alto, firme, vendedorzão de pitch. mesmo que isso não seja você. às vezes, é justamente quem “fala diferente” que tem algo novo a dizer e merecem o microfone.
✶ e se apple assumisse que esse tal de liquid glass foi um surto e voltasse pro aqua? eu não ia reclamar pois é extremamente iconic e era MEU SONHO mexer num desse!!!!!
Essa necessidade de colocar as coisas no mundo material é muito forte entre designers que eu convivo e converso. E eu sinto isso muito também. O jeito que as coisas na internet não permanecem trazem a sensação de que é tempo de trabalho e energia criativa jogados fora, principalmente quando a gente percebe que a sensação é baseada em realidade, que realmente existe um desperdício, porque é um post feito só pra cumprir tabela de um feriado ou algo assim. Seria lindo se a gente conseguisse espalhar publicações de designers pelo Brasil todo tbm, pra esses impressos não ficarem presos apenas em São Paulo ou BH. Porque a lindeza da internet é o tanto que ela espalha e conecta, mas a falta do físico me dói e me incomoda 🫣
ainda vou ouvir a entrevista que recomendou do Tyler, mas seu comentário sobre a "coerência" faz muito sentido pra mim, inclusive no âmbito de pensar coisas impressas/físicas/tangíveis vs. a velocidade e instabilidade digital. acho que parte dos nossos trabalhos demanda tanto justificar tudo, pesquisar, amarrar ideias e aí apresentar 'pro mundo', que voltamos um pouco disso pra nós mesmos às vezes, e isso pode quebrar o fluxo natural das nossas ideias e vontades de criar. não precisa mesmo ser coerente o tempo todo, né? não precisamos ser aquela comunicação de marca impecável o tempo todo (eu acho, e espero, rs)