cara, tava aqui pensando né.
na faculdade, ninguém me ensinou como procurar e usar referências. se pá uma das partes mais importantes de qualquer processo criativo. nem na aula de ética isso apareceu. não só isso, tem muita coisa que hoje considero essencial que eu não aprendi lá. fui descobrindo depois, errando, testando, trocando com outras pessoas. faz parte.
e é doido, porque meu jeito de pesquisar & usar referência muda o tempo todo. não que eu ache isso ruim. até porque eu não faço uma coisa só. tem projeto que exige um tempo maior de pesquisa. outros que me fazem comprar uns livros. uns que nem preciso rascunhar muito, porque o cliente já sabe o que quer de mim. e tá tudo certo.
cada projeto exige um tipo de escuta, de mergulho e de repertório. e nem todo projeto pede um moodboard.
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eu mesmo nunca fui muito de montar moodboard. só fazia quando o projeto realmente pedia. tipo em direção de arte, que exige aprovação antes. pra prever custos, equipe, produção. nesse caso, mostrar referência ajuda a entender melhor.
mas às vezes o moodboard, em vez de ajudar a construir uma ideia, só serve pra confirmar o que você já queria fazer desde o início. se coloca demais no processo e acaba deixando a ideia de lado. e aí, perde o sentido. vira só um painel bonitin tentando justificar um impulso.
parece que a gente entrou numa fase em que o passado do design virou um remix aleatório. todo mundo sampleia as mesmas imagens, sem saber de onde vieram ou por que fizeram sentido um dia.
abrindo a pastinha “releituras de minnie riperton feitas por rappers”: a capa de inocente demotape, do djonga, se inspira em perfect angel, uma imagem que rompia com os estereótipos glamourosos impostos a cantoras negras. já a releitura, além de não dialogar com as faixas do álbum, soa mais estética do que intencional.
na mesma pasta, alligator bites never heal, da doechii, vai um cadin mais fundo. ela recria adventures in paradise, trocando o leão que atacou a minnie na capa original por um jacaré albino. “esse projeto é minha luta de volta. em todas as histórias que li, quem sobreviveu a um ataque de jacaré foi porque reagiu. eu não sou presa de ninguém; nasci pra ser predadora”, disse ela. a referência não é só citada, ela conta uma história própria.
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num tom mais irônico, i quit das haim vem capas de singles que buscam uma conexão com as letras das músicas, recriando fotos clássicas de paparazzi que acabam transmitindo o sentimento que elas queriam passar: nicole kidman “livre” pós-divórcio do tom cruise, kate moss tomando sol fora do carro, e minha favorita: jared leto checando o celular enquanto tasca um beijo na scarjo. e ainda tem o type ali, fingindo ser marca d’água do getty images. coisas assim que me lembram do porque eu gosto tando desse negócio de desaiiiiine.
posso estar enganado, mas acho que vi num story do marcelo jaroz que a capa de island life, da grace jones, inspirou a capa belérrima de coisas naturais, que ele fez pra marina sena. só que, diferente dos outros exemplos, aqui o que mais inspirou talvez nem seja a imagem final mas o processo até chegar no resultado. o jean-paul goude montou a capa original juntando várias fotos até formar uma pose anatomicamente impossível. já na marina, o resultado é a própria colagem que vira corpo e cenário. torta no papel, perfeita no conceito.
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sempre que penso em processo, lembro de um trampo que fiz pra rider em 2018, o #dáprafazer. era um festival de criatividade (com palestras, shows, workshops e atividades) gratuito que ia acontecer fora do eixo da zona sul do rio. pra quem não é do rio, é só pensar nas novelas do manoel carlos. o evento ia acontecer bem longe dali.
o grande desafio era que a rider já tinha feito um evento desses, mas ninguém ia de chinelo. era uma galera que nem usava rider. e aí eles entenderam que podiam ser mais pé no chão. risos.
desenvolvi o projeto com dois amigos: o nícolas martins, que é um artista genial e um grande parceiro desde o início, sempre comprometido em fazer do processo o mais verdadeiro possível e o eduardo massá, uma das pessoas mais talentosas & sensíveis com quem já trabalhei, que teve um papel fundamental em sistematizar e dar forma a tudo que a gente coletava. desde o começo, a ideia era buscar referência nos próprios lugares onde o evento ia acontecer. centro, madureira, recreio e caxias. nada de cartão postal. mas cheios de histórias e visualidades potentes pra explorar.
passamos uma semana observando os bairros, tirando fotos, conversando com as pessoas, anotando tudo. foi um projeto que virou chave pra mim. até hoje olho pra ele com carinho porque consigo explicar (e gosto de) cada decisão e experimento que fizemos.
a arial virou a fonte principal porque era a que mais aparecia nas ruas: cartazes de oferta de emprego, anúncios nos postes, papéis de aluguel de quarto. aí nós juntamos as imagens que tiramos em cada local, reduzimos as cores no photoshop e vimos qual cor se predominava pra fechar a paleta de cada ponto. em madureira, a redução das imagens deu vermelho, por exemplo. o uso de fitas veio dos ambulantes e seus isopores customizados. a xerox e o formato A4 tava presente em tudo. definir isso nos ajudou e deu (muito!) trabalho. fizemos a maioria das peças a mão, desde ooh, posts de rede social e até na cenografia. e pro logo, a gente teve a ideia de montar com letras diferentes que íamos achando nesses corres.
o sistema só foi pro computador quando tudo isso já tava claro. e aí ficou muito mais fácil. a gente já tinha todas as respostas. até hoje é um dos meus projetos favoritos, não só pelo resultado, mas pelo caminho até ele. nesse caso, foi o processo que guiou tudo e acabou sendo a grande sacada no visual final.
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aprendi ali que o melhor processo é aquele que faz sentido enquanto acontece. que entender uma referência importa tanto quanto criar algo novo. porque ela não é só visual. é ferramenta. deve abrir caminho, não travar ideia.
mas vai explicar isso numa aula de ética da faculdade!!!
É isso, concordo demais. Acredito na manualização do design, definir etapas, passos, é bom. Porém, quando se trata de criação, e temos liberdade pra isso (raros casos), é muito mais bonito sair da nossa zona de conforto e experimentar.
Felizzzzz demais pq não sabia que esse projeto era seu! Se bem que também nunca parei pra olhar isso né, na época eu nem imaginava que um dia design seria uma opção pra mim então nem me ligava nessas coisas...ENFIM, eu guardo o folder grandão dele até hoje <3 Foi uma das coisas gráficas que mais me impactaram com um gostinho de orgulho suburbano, curti demais esse rolé também.